Quase no fim de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da 19° edição do Relatório de Justiça em Números, trouxe à tona um panorama que revela a enormidade de execuções em tramitação no Judiciário brasileiro.
No Paraná, sem contar os processos com tramitação no Tribunal de Justiça, mais da metade em acervo são execuções, de acordo com o Relatório. Boa parte das execuções contidas no acervo não são criminais (isto é, cíveis e fiscais). Todavia, no mesmo período abrangido pelo Relatório, ingressou quase o dobro de ações que não são execuções.
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Um dos fatores que levam a morosidade das execuções (cíveis e fiscais) é a não localização de bens do devedor. De fato, há devedores que não possuem bens, muito menos condições financeiras de adimplir com o débito executado. Aliás, no Brasil, o número de endividados só cresce, tendo a Federação do Comércios de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), divulgado um estudo que cerca de 78 % das famílias estão endividadas, logo, há que se concluir que boa parte dos devedores não possuem meios de adimplir com a dívida.
De outro giro, há devedores que, embora aleguem falta de condições financeiras, ostentam uma vida diametralmente oposta de quem não possui condições (ex: viajam com frequência; frequentam restaurantes caros).
Quanto aos primeiros (sem bens e dinheiro), sinto dizer que será difícil converter o desejo de receber em realidade. Porém, em relação aos que escondem sua real condição financeira para não pagar com a dívida existente, o Código de Processo Civil, com o objetivo de garantir maior efetividade nas decisões judiciais, ou seja, tornar possível que o credor obtenha o que está buscando, estabeleceu a possibilidade de o Magistrado, através do art. 139, IV, adotar medidas atípicas (ou seja, não são especificadas no CPC), para forçar o pagamento do débito.
Não há um rol de quais medidas podem ser aplicadas. As mais comuns são a apreensão de CNH e passaporte. Alguns autores aludem a possibilidade de proibição de participação de licitação e concurso. Outras seriam possíveis.
Sucede, no entanto, que a adoção de tais medidas atípicas não decorre automaticamente do não pagamento da dívida. Ou seja, ainda que não ocorra o pagamento, tais medidas podem não ser aplicadas. Pois, a bem da verdade, as medidas atípicas não são destinadas para qualquer devedor, eis que se exige um ingrediente a mais do que a dívida, que se traduz na existência de indícios de que o devedor possui bens expropriáveis (passíveis de penhora), mas, por livre vontade, deixa de pagar o débito, alegando eventual falta de condições de pagar, algo muito comum.
Em 2018, o PT, ajuizou a ADI n° 5941, no STF, pleiteando pela declaração de inconstitucionalidade das medidas atípicas que, em tese, afrontariam os direitos fundamentais, como, segundo eles, a apreensão de CNH e passaporte.
O STF, em 09.02.2023, julgou improcedente a ação, declarando a constitucionalidade das medidas atípicas, ou seja, podem ser aplicadas, salvo se as medidas atentarem contra os direitos fundamentais da pessoa humana, os valores especificados no próprio ordenamento processual, em especial os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Ou seja, o Juiz, em regra, poderá fazer uso das medidas. Mas, caso a caso, deve ser analisada a adequação das medidas com as garantias fundamentais e os valores especificados no CPC, como decidido pelo STF.
Coluna escrita por Ramicielly Teixeira de Góis, advogada e proprietária do Escritório Ramicielly Teixeira Advocacia Associados.
Fonte: Jornal Integração do Paraná