Desde o último dia 16, a comunidade jurídica, política e a sociedade em geral debatem sobre a cassação do registro da candidatura de Deltan Dallagnol (filiado ao Podemos).
Devido ao grande interesse sobre o caso, recebi um convite deste notório canal de comunicação para discorrer sobre a decisão, em especial os motivos para a cassação do mandato do ex-procurador, o qual, certamente, aceitei com muito prestígio.
Destaco que não emitirei nenhuma opinião acerca do acerto ou desacerto da decisão proferida pela Corte Eleitoral. Muito menos pretendo me intrometer numa seara tortuosa e tormentosa que é a questão político-partidária no Brasil. Portanto, no pequeno espaço que me foi concedido, discorrerei o caso, sob o viés exclusivamente jurídico.
O TSE, de acordo com a CF de 1988, é composto, no mínimo, por 07 (sete) ministros, sendo 03 (três) oriundos do Supremo Tribunal Federal (STF), 02 (dois) do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por fim, 02 (dois) juristas oriundos da advocacia de notável saber jurídico, que são nomeados pelo Presidente da República, após indicação do STF.
Todos os ministros votaram para cassar o mandato. Dois eram os motivos que chegaram ao TSE para que fosse cassado o mandato. O TSE acolheu só um deles. De acordo com o voto do Ministro-Relator Benedito Gonçalves (disponível na internet), que foi seguido pelos demais pares na Corte, a rejeição das contas pelo TCU, referente a atuação do Deputado como coordenador da força-tarefa do MPF na operação Lava Jato, devido à inconsistência no pagamento de diárias e outros, foi rejeitada, pois, no momento do julgamento, a rejeição não era uma “decisão irrecorrível do órgão competente” (TCU), eis que estava vigente uma medida cautelar que suspendeu a rejeição das contas, logo, não se enquadrou na hipótese legal de inelegibilidade contida no artigo 1°, inciso I, alínea “g”, da LC 64/90.
Diversa foi a conclusão sobre a outra causa de inelegibilidade do artigo 1°, inciso I, alínea “q”, da LC 64/90, que foi incluída pela Lei da Ficha Limpa (2010): “os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos”.
Observa-se, com facilidade, a presença de três causas previstas no artigo reproduzido no parágrafo acima que ocasionam a inelegibilidade: (i) aposentadoria compulsória por decisão sancionatória; (ii) perda do cargo por sentença; (iii) pedido de exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar (PAD).
De fato, é incontroverso na ação judicial de que o ex-membro da força-tarefa na operação Lava Jato quando pediu exoneração do cargo público no Ministério Público (03/11/2021), não estava respondendo tecnicamente nenhum PAD.
Acontece que, segundo o TSE, o pedido de exoneração foi realizado justamente para se livrar da instauração de um PAD (e, talvez, a própria perda do cargo). Tal manobra evitou que ele ficasse com status de inelegível nas eleições de 2022.
Esse movimento do ex-membro do MPF – segundo o TSE - configurou algo conhecido no direito como fraude à lei. Fraudar a lei é praticar uma ação com ares de legalidade, isto é, com suposto amparo legal e que consistiria em regular exercício de direito, mas que, no fundo, configura burla com o objetivo de atingir finalidade proibida pela norma.
Ou seja, a exoneração em si, não é ato ilícito, mas se exonerar para evitar instauração de PAD ou a perda do cargo público, com o objetivo de não ser enquadrado em hipótese de inelegibilidade, pode configurar situação de fraude à lei.
Claro que a fraude precisa ser provada. Para o TSE, foram cinco os motivos que provaram a fraude: (i) a existência de 15 procedimentos (sem natureza de PAD) contra o ex-procurador no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); (ii) a existência de sanções disciplinares aplicadas contra o ex-procurador em processos disciplinares já findados (isto, de fato, serviria como antecedentes negativos, o que seria pesado para aplicar eventual penalidade futura ao ex-Deputado, chegando a possível demissão); (iii) a demissão de um Procurador da República, que atuou com o Dallagnol na força-tarefa da operação Lava Jato, por contratar e instalar um outdoor em homenagem à força-tarefa, sendo que o próprio Dallagnol aparece na foto colocada no outdoor; (iv) o pedido de exoneração de Deltan ter ocorrido 16 (dezesseis) dias depois da demissão do ex-colega do MPF e, por fim; (v) o pedido de exoneração ter ocorrido 11 (onze) meses antes das Eleições de 2022, enquanto a legislação só impõe a necessidade de 06 meses antes.
Ecoam vozes de que o TSE inovou juridicamente. Isto é, criou um argumento jurídico, para cassar o mandato do Deputado. Tal conclusão não é acertada. O fundamento jurídico de fraude à lei não é uma novidade no mundo jurídico. Já tiveram outros casos em que foi reconhecida a fraude praticada para fugir da repressão do direito pelo ilícito.
Um caso emblemático que vale a pena rememorar é o caso do ex-Presidente da República Fernando Collor. Foi ele quem sancionou a Lei Complementar n° 64/90, que trata sobre os “outros casos de inelegibilidade” determinado pela CF/88. Para evitar a inelegibilidade, o ex-Presidente, durante o processo de impeachment, renunciou ao cargo político, mas, como todos sabemos, a renúncia não surtiu o efeito esperado, eis que foi cassado e ficou inelegível por 08 anos.
O caso do ex-Deputado não transitou em julgado. Portanto, o ex-membro do MPF poderá recorrer da decisão do TSE.
Ramicielly Teixeira de Góis, Advogada e Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil.